Por Luciana Ribeiro Campos
O Projeto #HashTAG Sustentabilidade, capitaneado por este Ministério Público de Contas em suas funções de fiscalização e correção, tem proporcionado o alcance de resultados significativos nos municípios potiguares. As técnicas utilizadas nessa prática revelam que os parâmetros delineados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para a sustentabilidade financeira são possíveis de serem atingidos na realidade dos entes federativos, sem que para isso sejam utilizadas manobras contábeis, tais como a retirada de determinados elementos de despesa do gasto de pessoal para encobrir contratações de empresas destinadas à terceirização de serviços públicos.
Por meio dessa prática se tem observado que muitas das concepções usualmente propagadas acerca da política financeira-orçamentária de município de médio e pequeno porte não se sustentam. Dentre as conclusões obtidas se destacam as seguintes:
1) as receitas tributárias lastreadas em tributos próprios (IPTU, ISS e ITBI) raramente têm impacto financeiro nas receitas totais dos Municípios de pequeno e médio porte e representam, às vezes, menos de 1% das receitas totais;
2) a composição dos quadros de servidores e a concessão de aumentos financeiros para as carreiras municipais, concedidos sem estudos prévios de impacto financeiro econômico, impactam na estabilidade das finanças públicas, especialmente quando a maioria dos planos de cargos não foram acompanhados de estudos que abordem o crescimento vegetativo da folha de pagamento no médio e no longo prazo, importando a assunção de riscos financeiros proibitivos;
3) as técnicas de orçamentação locais não se mostram capazes de apresentar previsões compassadas com a execução financeira, tendo em vista que normalmente a maior parte das estimativas para fontes de receitas e mesmo elementos de despesas, sempre se registra, na consolidação das contas, déficits orçamentários, dentro de um quinquênio; a superestimava das receitas e despesas orçadas (receitas previstas) gera para o corpo legislativo e mesmo para o cidadão, a falsa percepção de que há disponibilidade de caixa (financeira), ainda que a realidade da execução financeira seja incondicionalmente diversa daquela orçada (receitas previstas), pois a previsão orçamentária raramente se consolida e o cidadão, quando busca a informação, sempre parte da previsão estimada na LOA, posto ser a informação sobre execução financeira de domínio do gestor (ainda que os instrumentos criados pela LRF, quais sejam, Relatórios de Gestão Fiscal e Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária, sejam publicados, dado que são informações sintéticas e que não permitem o conhecimento da situação do “caixa público”); as disponibilidades financeiras, são bem menores do que as estimadas nas fontes de receitas orçamentárias (previsão orçamentária de receitas, o que corresponde na escrituração pública às receitas previstas); nos casos dos municípios que se submeteram à prática ministerial, o que é efetivamente executado financeiramente (receitas realizadas) guarda uma distância estimada, em média, de 30% do orçado e representa déficit orçamentário nesse percentual;
4) os municípios que alcançam estabilidade financeira, a qual verificamos, dá-se ao nível econômico abaixo de 48,60% de comprometimento da receita corrente líquida com gastos de pessoal. Além disso, passam a implementar efetivamente os investimentos em infraestrutura previstos nas despesas (as quais ficam contingenciadas quando os níveis de gasto de pessoal estão acima de 54% – limite legal determinado na LRF), de forma que a potencialidade de investimento em infraestrutura e outros serviços é aumentada, diante do rebaixamento do nível de comprometimento financeiro com o gasto de pessoal;
5) o baixo nível de rendimento do IDEB pode ser alavancado pela utilização de técnicas de monitoramento permanente, com a realização periódica de provas avaliativas independentes da federal (Ideb é realizado bienalmente; esse fato dificulta a permanente reavaliação das metas educacionais locais diante do distanciamento temporal entre uma avaliação e outra), esse foi o caso do que foi realizado pelo Município de Lagoa Nova, bem como diante do aprimoramento da capacidade de investimento em infraestrutura diante da estabilização econômica das finanças municipais;
6) festividades locais (festas de padroeiras, São João etc. podem ser autossustentadas por meio das taxas públicas (“taxas de alvará”) e trazem estímulos econômicos para localidade, circulando a riqueza tanto a nível de ISS como a nível de ICMS (esses fatos foram observados concretamente no município de Assú, cujas festas juninas foram monitoradas e estabelecidos tetos de gastos com base no perfil arrecadatório de anos precedentes), porém as contratações públicas no período devem ser fortemente fiscalizadas. Não sendo a política proibitiva (não há risco financeiro), o que se verificou foi que podem haver, isto sim, perigos financeiros que precisariam ser monitorados, a exemplo da extrapolação do gasto em relação ao que é arrecadado por tributos vinculados, e de condutas ilícitas de contratações de bandas e estruturas de palco (como dito alhures, o perigo financeiro é de ser monitorado, para que não se transforme em risco proibitivo e as vantagens da política podem ser estimuladas para o crescimento econômico e geração de riqueza do ente);
7) os repasses aos fundos contábeis, como o Fundeb e o Fundo Nacional de Saúde, que detêm vinculação financeira, não cobrem parcela significativa dos gastos públicos com pessoal e infraestrutura nas áreas de educação e saúde, de forma que o ente municipal sempre tem que reverter parcelas significativas dos recursos ordinários para esses serviços.
8) toda expansão de serviço deve ser precedida de estudos de viabilidade não apenas financeira, mas de capacidade de contratação e manutenção de pessoal, a fim de evitar obras fantasmas em que há impossibilidade financeira de implantar, com recursos próprios, os recursos humanos necessários ao bom funcionamento do complexo construídos (evita-se, assim, “elefantes brancos”, obras públicas abandonadas);
9) os entes têm grande dependência dos repasses de fundos constitucionais, sem os quais a sua autonomia financeira fica potencialmente comprometida, de forma que qualquer retenção desses valores é capaz de acarretar a insolvência das obrigações imediatas.
Todas essas confirmações demonstram a necessidade de avaliação da situação de financeira e orçamentária de cada pequeno e médio município, sobretudo em momentos de depressão financeira como o atual, como já acontece no TAG Sustentabilidade. A análise da sustentabilidade contribui, portanto, para verificar o impacto das receitas próprias do ente avaliado e sua autonomia financeira, sobretudo ante a pouca expressividade das receitas executadas em comparação com as totais.
Tal situação demonstra que as técnicas de orçamentação em matéria de receitas e despesas são imprecisas e incapazes de comunicar ao cidadão que ainda não desenvolveu a cidadania orçamentária a real capacidade de realizar os compromissos estabelecidos na Lei Orçamentária Anual (Campos, 2013). A realidade financeira fica fora do alcance do cidadão e do legislador, que acredita que a LOA é um reflexo preciso da verdade financeira municipal, quando, na verdade, há elevada discrepância entre o que é previsto e o que é financeiramente arrecadado. A análise desses aspectos se torna, assim, essencial para a identificação e condução de cada ente municipal às desejáveis níveis de sustentabilidade orçamentária e financeira, caminho esse proporcionado pelo modelo do TAG Sustentabilidade.
*O presente texto foi escrito pela Procuradora Luciana Ribeiro Campos para orientação de gestores e jurisdicionados que desejam empreender a tarefa de ajustamento de finanças públicas.